sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Porque ela quer

Semana passada abriu a janela e cansou-se do igual. Nesta semana olhou pra fora e sentiu-se anojada à obviedade.


Abriu a mochila amassada do fundo do armário e juntou suas tralhas.
Fechou a porta da frente. Havia marcado um encontro com o mundo.
Acenou para mariposas, joaninhas, vaga-lumes e gafanhotos. Seguiu linhas tortuosas.
Ficou um pouco incomodada ao queimar-se ao sol. Culpou o leite de que era feita sua pele.
Comprou um perfume doce de uma mais doce senhora. Cheirou sua flor preferida e sentiu-se óbvia também.
Caminhou por pequenos povoados e grandes cidades. Ergueu os braços aos céus no momento em que alcançou o topo da primeira montanha de sua vida.
Finalmente conseguiu estalar os dedos, mérito de um tocador de gaita da capital.
Sentiu-se atraída por um cabeludo em um bar. Vitimou inocentes com sua paixão. Partiu.
Comeu comidas exóticas, encheu o sangue de álcool e sacudiu seu corpo em lugares ilegais.
Cometeu pequenos delitos. Riu de si própria.
Fez amizade com hippies, bandas, homossexuais, donos de estabelecimentos e velhos e amargurados tocadores de banjo.
Pintou o cabelo de azul, roxo, amarelo, vermelho. Cortou novamente a franja e arrependeu-se, devido ao calor.
Foi a uma praia de nudismo e participou de karaokês competitivos.
Enxergou uma pequena multidão se levantar e marchar para um confronto.
Viu seu time inglês jogar e leu notícias sobre os hooligans na capa do jornal na manhã seguinte.
Recebeu ligações distantes e as ignorou. Perdeu seu celular num domingo, andando de trem.
Pediu para que estranhos a fotografassem. Beijou estranhos. Tomou um porre e acordou desnorteada.
Viu o pôr do sol no outro lado do mundo. Deitou em gramas e tentou pegar estrelas. Sentiu-se em sua terra natal.
Emagreceu quilos, ganhou outros.
Aprendeu a usar um rifle. Matou lembranças.
Envenenou-se. Provou do escárnio. Pichou um muro.
Fez pedidos à primeira luz da noite. Espichou-se e tapou a lua com o dedão.
Chorou ao assistir o concerto em homenagem a seu músico favorito. Só encontrou lágrimas a esse amor.
Percebeu que ainda guardava parte dos sentimentos perdidos.
Foi seguida por um cão vira-lata e adotou-o por alguns dias.
Tomou cafés da manhã seminua. Jantou com a solidão.
Colecionou folhas de árvores e guardou-as em livros amarelados. Vendeu sua voz em palcos para alimentar seu ego.

Cultivou arrependimentos e se arrependeu de tê-los cultivado.
Ensinou um pouco suas palavras. Aprendeu a falar francês.
Comprou roupas em boutiques caras, mas gostou mais dos vestidos pegos em brechós.
Correu para abrir a boca e receber os pingos d’água fresca vinda da chuva. Ensopou escadarias com seu desmazelo.
Caminhou de museus a confrarias. Estudou filosofia.
Não se formou em autoconhecimento, mas formou-se no do próximo.
Viu-se, mais uma vez, despedindo-se. Fechara o ciclo.

Porque ela saiu de casa num dia ensolarado, e nem lembra mais das manchas que embaçavam sua visão. Só lembra-se do sol. Daquele sol que a abraçou nos segundos em que permaneceu parada ao portão, olhando tudo.
Ela não precisava das vozes que a tantas lhe rebaixaram e a disseram como seria. Ela só precisava dela. Era apenas ela - e alguns lápis e canetas.
Porque ela queria pular de uma ponte sem se preocupar com o estouro. Ela queria ser levada pelo vento.
Porque ela queria achar seu caminho, mas não achou. Então ela o criou. E ainda continua criando-o.

Não só porque ela precisa, mas porque ela quer.
E quando ela quer, não há muros de concreto que a impeçam.

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