quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Catuípe

Já faz anos. Os móveis se foram, o aposento se transformou em outro cômodo qualquer.
Porém, admito, sinto saudade daquele tempo em que eu brigava por um pacote de bolachas ou discutia pelo controle da TV. Um tempo em que eu não me sentia tão sozinha. E, provavelmente, ele não saiba de nada. Talvez não desconfie do quanto é importante pra mim. O quanto faz falta.
Mas agora há mais paredes nesta casa. Também há mais silêncio, menos motivos para risadas.
Em verdade, nunca fui boa ao expressar emoções. Entretanto, confesso que até hoje abro um sorriso quando vejo seu carro parado em frente ao portão.
Minha memória também não é lá grandes coisas. Esqueci detalhes, mas os importantes ficaram, garanto. Lembro-me de sentir orgulho ao perguntarem se eu era a sobrinha do “Catuípe”. Recordo-me daquele cara cabeludo, me carregando nas costas. O mesmo que me ajudava a cavar buracos e construir castelos de areia. E dói um pouco saber que não o encontrarei quando eu acordar. E dói ainda mais quando lembro que, após receber xingamentos, não terei ninguém em minha defesa. Muito menos terei um espaço entre o armário e a cama, no quarto ao lado, o vão onde poderei me esconder.
Mas eu sempre fui só, nunca reclamei. Jamais tive motivos para tal reclamação. Eu tinha aquele que me foi dado como tio, aquele que eu insisti e transformei em irmão. Só eu sei a saudade que bate às vezes.

E agora eu cresci, e ele continuou a crescer. Eu não o olho mais de baixo e a gente não discute mais por futilidades. Eu não o vejo todos os dias, ele não repete a típica reclamação de eu ser “a criança mais insuportável do universo”. Também não me preocupo mais ao comer uma sopa, sei que não terás enchido a mesma com pimenta quando ninguém estiver olhando. Pois não estás aqui.
Lembro, tristemente, de algo mais recente: chorar e ver o ser mais forte de todos, chorando. E as vezes me pergunto se estás bem, se estás feliz. Porque, de repente, desvairou-se, como água entre os dedos. Não pude impedir.
Eu só sei que, do nada, partiu. Lembro que fiz pouco caso, ignorei abraços e um pedido de “fica”. De qualquer forma, não teria adiantado. Eu sei que, ainda sim, ele iria. Pois precisava, já eras hora.
É claro, eu sei que sempre que precisar estarás aqui. Sei que sabemos nos entender apenas com gestos e pensamentos. Sei que não teremos muito assunto, falaremos bobagem. Assim como sei que és o único que pegaria o carro no meio da noite e me tiraria à força de dentro de um bar qualquer. Tudo para me dar sermão, caso precisasse.
Bom, o que eu verdadeiramente sei, é que estás ali. Viro a cabeça e não te enxergo como antes, porém sei onde estás. E enquanto eu souber que te terei comigo e te terei contente, é o que importa para mim.

Porque eu ainda me vejo ali, pequena, olhando e admirando. E eu queria ser como ele. Na maior parte do tempo, eu tentava ser.
A verdade, é que eu ainda tento, e eu ainda quero. Porque heróis serão sempre heróis, não é mesmo? Independente de onde estiverem. Independente da capa ou do poder que possuam. Independente, até mesmo, se saibam disso ou não.

4 comentários:

  1. Lindo texto. Se eu me emocionei, imagino o sentimento do Catuipe...Parabéns!!

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  2. Muito, muito, muito orgulho de ver tuas produções!
    Só confirmas o que eu sempre soube: que eras muito especial! Grande beijo, Gabi!

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