terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Casa vazia

A casa estava disponível para locação. Novamente fora colocada aquela placa de “aluga-se”, já com a escrita gasta e com a estaca bamba. A dificuldade em fixá-la era tamanha, notada na demora ao conseguir adentrá-la ao solo.

Muitas caixas estavam sendo retiradas lá de dentro, desocupando o espaço que, agora, era completamente oco, deixando à mostra as rachaduras e as infiltrações disfarçadas pelos anos de falsos encaixes às bugigangas colecionadas.
Todos os móveis comprados vinham com problemas - suportáveis até certo período - mas que depois acabavam sendo integrados ao clube dos imprestáveis, entulhados dentro de lixeiras quaisquer.
A cama de casal e o guarda-roupa haviam sido encomendados com antecedência, porém os cálculos não se fizeram exatos e as medidas não proporcionais transformaram o quarto em uma desorganização total de espaço.
A tinta vermelha, vinda mais tarde, foi utilizada na pintura da sala de estar. Borrou pedaços do assoalho e, pouquíssimo depois, quando seca, descascou. Chegou a ser pior que a coloração escura de antes, a que deixara pingos permanentes em lugares inconcebíveis.
Suas cortinas enfeitadas viraram panos gastos de chão. Sem utilidade alguma.
O jardim da frente, antes repleto de flores das mais diversas bonitezas e cores, via-se abandonado às zombarias. Triste, sozinho. Se pudesse chorar, seu canteiro estaria inundado.
Cada um que passava com seus móveis pela tal casa, assinava um documento referente ao tempo que pretendia permanecer dentro do local. Se fosse falar oi e logo em seguida dar tchau, que nem passasse pela calçada.

Mas diziam que iriam ficar, e logo se fazia quebra de contrato.
Acho que todo o pó causara danos à saúde dos antigos moradores. Mesmo tendo plena consciência de que a mente fora mais afetada do que o corpo.
A casa não era tão velha, sabe? É claro que alguns cupins já haviam se entrelaçado entre os detalhes de madeira no rodapé da cozinha. Mas suas janelas, por onde o sol costumava entrar, permaneciam conservadas. Deve ter sido a mistura de luz e chuva que rendera um eterno arco-íris a essa parte da morada.
Algo que incomodava bastante eram os barulhos durante a noite. O que tinha de quieta durante o dia, compensava a fio nas madrugadas. Não era de todo o mal, era apenas a maneira como havia sido construída.

Poderia ser melhorada, até. Mas acho que, de certa forma, não queria. Havia se acostumado mesmo a estar vazia. Não pretendia ser mudada.
A culpa não era da casa. A culpa era dos habitantes com seus desleixos.

Ou talvez não. Talvez a liberdade e a tamanha vontade de ser receptiva tenha gerado a ideia de que tudo poderia ser feito a ela.

Pobre casa. Tão aconchegante no inverno, tão refrescante no verão. Com variadas e contentes pétalas enfeitando o quintal na primavera, com garoas de folhas deslizando sobre o telhado no outono.
Normalmente o piso que rangia era o que mais chamava a atenção dos que viam de fora. Ficava à frente da doce melodia que soava na varanda.

Cada pessoa que passava pela casa, deixava um pouco de modificação.

Começaram cultivando ervas daninhas. Depois, mandaram fazer um lago. Logo após, um muro. E uma cerca elétrica. A casa só foi se modernizando na arte da segurança.

E o vento que entrava foi ficando mais fraco a cada mudança. Antes, derrubava paredes. Hoje, só balança cabelos. É puro e leve, feito pipa no ar.

À espera de seu verdadeiro inquilino, a casa tende a ficar.




Um comentário:

  1. "O jardim da frente, antes repleto de flores das mais diversas bonitezas e cores, via-se abandonado às zombarias. Triste, sozinho. Se pudesse chorar, seu canteiro estaria inundado."

    Amei, Gabi! :]

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